terça-feira, 2 de outubro de 2012

lei de locações - comparada

lei de locações - comparada



A nova Lei do Inquilinato, entra em vigor dia 25 de Janeiro de 2010. Há quem acredite que, ao atenuar os riscos para o aluguel de imóveis, a tendência é que os proprietários diminuam a cautela e coloquem mais propriedades no mercado; e, por conste até venha a baratear o valor dos alugueis.
Sempre foi um problema conseguir um fiador. E, agora, com os riscos menores de ficar com um imóvel ocupado por um locatário inadimplente por muito tempo, pode até acontecer de os proprietários abrirem mão dessa garantia.
E isto porque, pela nova lei, realmente os locatários inadimplentes terão muito mais dificuldades para argumentar na Justiça o motivo da falta de pagamento do aluguel. Mas, por outro lado, tendo em vista que a maior celeridade que a lei busca para o despejo, poderá ocorrer injustiças, em casos de cobrança de débito em valores mais elevados, ou seja, acima do débito real.
O que basicamente mudou em função das modificações introduzidas pela nova Lei nº 12.112, de 09 de Dezembro de 2009 ?
Em primeiro lugar, o que anteriormente era um entendimento jurisprudencial, agora consta expressamente que o locatário poderá devolver o imóvel locado, no decorrer do contrato, mas pagando a multa pactuada proporcionalmente do período de cumprimento do contrato; e durante o prazo estipulado do contrato o locador não poderá reaver o imóvel locado.
Consta agora que, em casos de separação de fato, de separação judicial, divórcio ou dissolução de união estável, a locação prosseguirá normalmente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel, tendo sido ampliada as hipóteses contidas no art. 12, da Lei 8.245/91, e que, agora, de acordo com a nova lei, comunicado o locador, este não mais poderá exigir, no prazo de trinta dias, a substituição do fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas na lei.
E neste caso, o fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias, contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.
O art. 39, da Lei 8.245/91 dizia que, salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel. O qual foi modificado é que se acrescentou que tal garantia é válida mesmo que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força da lei de locações, entendimento este que, também, já era adotado pela jurisprudência de nossos tribunais.
Anteriormente, pelo o art. 40 da Lei 8.245/91, no item II, o locador poderia exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, no caso de ausência, interdição, falência ou insolvência do fiador, declaradas judicialmente. Agora, pela nova lei, se modificou ligeiramente as hipóteses para a exigência de um novo fiador em ocorrendo as hipóteses de ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, declaradas judicialmente.
Agora, pela nova lei, foi acrescido o item X, ao art. 40 da Lei 8.245/91, fazendo menção que o locador poder exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, no caso de prorrogação da locação por prazo indeterminado, uma vez notificado, o locador, pelo fiador de sua intenção de desoneração; e, então, este ficará obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

E foi acrescido o parágrafo único ao art. 40, no sentido de que o locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da locação.
O art. 59 da Lei 8.245/91, dispunha que se concederá liminar para desocupação em 15 dias, desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: I - o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento; II - o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia; III - o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato; IV - a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei; V - a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário.
Na nova lei, acresceu-se, ao art. 59, o inciso VI – o disposto no inciso IV do art. 9º , havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las; o inciso VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato; o inciso VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada; o inciso IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
Ou seja, por relevante, destaque-se que o Juiz concederá liminar para desocupação em 15 dias nos casos de término do prazo notificatório previsto no parágrafo único, do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato; e, também, ocorrendo o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada; e, principalmente, que a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
Cumpre reiterar, por importante, que no caso de falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo do inciso IX do § 1º deste artigo, poderá o locatário evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15 (quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a totalidade dos valores devidos, na forma prevista no inciso II do art. 62.
Observa-se que, anteriormente, o art. 62, da Lei 8.245/91 dispunha que nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, o locatário poderia evitar a rescisão da locação requerendo, no prazo da contestação, autorização para o pagamento do débito atualizado. Agora, pela nova lei uma modificação substancial: o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão da locação efetuando, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da citação, o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial.
Uma outra modificação é que se, anteriormente, não se admitia a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação, com a modificação introduzida pela lei nova, agora não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação.
Mais uma outra a modificação importante é que pela lei atual, julgada procedente a ação de despejo, o juiz deve fixar prazo de trinta dias para a desocupação voluntária, enquanto que pela lei nova, julgada procedente a ação de despejo, o juiz, de pronto, determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária do locatário.
E, também, ocorreu modificação em relação ao disposto no art. 64 da lei 8.45/91. De fato, se anteriormente a caução nos casos de execução provisória não era inferior a 12 meses de aluguel e nem superior a 18 meses de aluguel, pela nova lei, a execução provisória do despejo dependerá de caução não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução
Finalmente, em relação a questão de ação revisional de aluguel, esta terá o rito sumário e ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente.
E, não sendo renovada a locação, ou seja, julgando improcedente o pedido, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, se houver pedido neste sentido na contestação. O que deduz se não houver o mandado de despejo poderá ser imediatamente cumprido ou executado.
Quanto à polêmica questão da oferta de um aluguel mais elevado por parte de um terceiro, que pode levar o locatário a um grande prejuízo, pois concordo plenamente na possibilidade de haver uma simulação desta oferta, haja vista que não será tão fácil descobrir esse tipo de manipulação e mesmo que as penalidades sejam altas em geral o fato (do despejo) já estará consumado.
Aliás, não são poucas as situações em que o ponto é o negócio e não dá para desenvolver uma atividade sem a segurança de que ela vai continuar no mesmo lugar. Neste aspecto, as alterações na Lei 8.245/91 podem vir a prejudicar seriamente quem tem negócios instalados há muitos anos, em especial, o pequeno empresário, exatamente aquele quem produz e gera empregos.
Analisada as principais alterações na lei de locações, não se pode deixar de analisar tais modificações em função dos dispositivos do atual Código Civil.
O Código Civil, em seu art. 565, conceitua locação de coisas como o contrato através do qual "uma das partes se obriga a ceder a outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição".
A locação de gozo envolve, além do uso, a apropriação, também, dos frutos. No caso de locação somente do uso da coisa, o contrato se aproximará do comodato, com a significante diferença da remuneração. O termo arrendamento pode ser utilizado como sinônimo de locação, sendo aquele utilizado entre nós com mais freqüência às locações imobiliárias rurais.
De fato, a locação possui natureza jurídi-ca de contrato bilateral, comutativo, oneroso, consensual, de relação duradoura e não solene. É bilateral pois cria obrigações recíprocas para ambas as partes. A importância prática desta característica é a possibilidade de se invocar o princípio da exceção de contrato não cumprido, consubstanciado nos artigos 476 e 477, do Código Civil. É comutativo porque as obrigações são de plano conhecidas dos contratantes no momento da conclusão da avença. É oneroso vez que exige dispêndio de ambas as partes, sendo aluguel o termo utilizado para representar o valor da retribuição pela locação. E, finalmente, é, também, não solene uma vez que a lei não lhe exige forma especial, podendo ser verbal, conquanto na Lei do Inquilinato o contrato escrito conceda maior proteção ao inquilino.
O distrato permite o desfazimento de qualquer relação contratual, autorizando, desta forma, o despejo.
O fundamento principal de locação não residencial é proteger o fundo de comércio, o ponto. Desta forma, previnem-se os lucros cessantes derivados da interrupção da atividade e da necessidade de se deslocar o estabelecimento.
Importante salientar que o direito à renovação é norma cogente, de expressa disposição pelo art. 45, não sendo possível a dispensa pelas partes de seus efeitos.
O art. 51, da Lei 8.245/91, fixa os requisitos necessários para a renovação, assegurando-a ao empresário que explora o mesmo ramo de atividade econômica por, no mínimo, três anos consecutivos, em imóvel locado por escrito e por prazo determinado mínimo de cinco anos, computadas as renovações sucessivas. A lei estende a proteção também às indústrias e sociedades civis com fins lucrativos, desde que, por óbvio, preencham os requisitos legais.
A renovação compulsória - se não for possível a consensual - será feita mediante ajuizamento de ação renovatória pelo empresário-locatário no prazo decadencial que compreende o período de um ano no máximo a seis meses no mínimo imediatamente anteriores ao término do contrato em vigor. A legitimidade ativa para a propositura da ação se estende ainda aos cessionários ou sucessores da locação e, no caso de sublocação total do imóvel, o direito à renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário (art. 51, par. 1º, Lei 8.245/91).
Outro ponto muito delicado é o do fiador da locação. Todos aqueles que militam no foro em ações envolvendo locação, notadamente ação de despejo por falta de pagamen-to ou execução de aluguéis, já constataram que a imensa maioria dos contratos contém cláusula que responsabiliza os fiadores pelo débito do inquilino até que este devolva as chaves do imóvel locado em mãos do locador.
De prática tão comum que é, até mesmo os contratos de locação cujos impressos podem ser adquiridos em papelarias consignam tal cláusula, razão pela qual o e. Desembargador Luís Camargo Pinto de Carvalho anotou, em erudito artigo, que "fica evidente o arraigamento na consciência jurídica pátria da validade da cláusula contratual que impõe ao fiador responder pela fiança até a efetiva entrega das chaves do imóvel ou entrega do prédio." (Da extinção da responsabilidade do fiadores em contrato de locação, http\\:www.saraivajur.com.br)
Tal cláusula, na verdade, é a transposição literal para o contrato da regra prevista no artigo 39 da Lei do Inquilinato, que é assim redigido: "Art. 39 - Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel."
Ao adotarem tal cláusula os locadores visam manter o fiador atrelado ao contrato de locação se, após o seu vencimento, vier o inquilino a continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição, hipótese essa que gera a chamada prorrogação da locação por tempo indeterminado, "mantidas as demais cláusulas e condições do contrato", isto é, ante a letra da lei mantido será o negócio jurídico sem que seja fixado tempo certo e determinado para encerrá-lo, como expres-samente prevê o § 1°, do artigo 46, da atual Lei do Inquilinato.
E a maioria das decisões dos tribunais da federação vinha entendendo, de forma praticamente pacífica, que o vencimento do contrato de locação com a conseqüente manutenção dos inquilinos no imóvel locado, por mais de trinta dias, sem oposição do senhorio prorrogaria a locação por tempo indeterminado sem que isso afetasse a responsabilidade dos fiadores, a qual se estenderia até a efetiva devolução do imóvel locado, haja vista que tal prorrogação ocorreria por força de lei, e também porque seriam mantidas todas as demais cláusulas e condições do contrato, exceto, por óbvio, a relativa ao seu tempo de duração, a qual já se encontraria vencida.
No entanto, a partir de 1998 o que era pacífico deixou de sê-lo por força da nova orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça que em 23 de outubro daquele ano publicou a Súmula 214 que consolida a jurisprudência daquele tribunal sobre a limitação da responsabilização do fiador. A referida súmula foi assim redigida: "O fiador não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu."
Em decorrência da leitura da Súmula 214 do STJ, levaram durante algum tempo, os Julgadores, a uma conclusão que, aparentemente, apresentar-se-ia óbvia sobre o seu verdadeiro alcance: a de que o fiador não responderia pela dívida decorrente de "aditamento" contratual ao qual não teria se vinculado, inclusive prorrogamento da locação.
Tomada apenas em seu aspecto gramatical, a Súmula 214 não teria trazido nenhuma inovação ao ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que se basearia em princípio secular do direito dos contratos - o da relatividade dos seus efeitos -, porque o aditamento contratual firmado sem a participação do garante seria res inter alios acta e, assim, inoponível ao fiador. Quanto a essa interpretação, entendo não pairarem quaisquer dúvidas.
Todavia, em que pese a literalidade da Súmula 214, do Superior Tribunal de Justiça, uma análise dos julgados proferidos por aquela Corte mostrou que, com efeito, apesar da letra em que fora redigida a súmula em questão, o seu espírito tem sido revelado pela interpretação consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça, que pode ser aferida a partir da leitura de alguns julgados que bem espelham a orientação daquela Corte sobre um tema de capital importância no Brasil, por dizer respeito a uma das modalidades de garantia mais utilizadas em contratos de locação.
Por exemplo, vejamos o que restou decidido pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 25.09.01, nos autos do REsp n.° 254.409-MG, relatados pelo Ministro Vicente Leal: "LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE E INEFICÁCIA DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 214/STJ. Não ocorre nulidade da sentença, por falta de fundamentação, na hipótese em que afastada, ainda que indiretamente, a alegação de que não restara comprovado que os fiadores anuiram à prorrogação do contrato por prazo indeterminado porquanto proclamado o entendimento de que a responsabilidade dos fiadores estende-se até a efetiva entrega das chaves...... jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locaticios decorrentes de contrato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves. - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido."
Entendia-se que, conquanto os contratos de locação possam ser portadores de cláusula estendendo a garantia fidejussória "até a entrega das chaves", a prorrogação da locação por força de lei vinha sendo considerada como aditamento contratual a exigir, para a sua eficácia perante o fiador, anuência expressa deste quando da sua ocorrência.
Com efeito, apesar das ótimas decisões em matéria de locação que sempre proferiu, o que o colocou em situação de destaque e vanguarda nesse campo, parece-nos que no que diz respeito ao árido tema objeto da Súmula 214, pode-se afirmar, em linhas gerais, que da 25ª a 36ª Câmaras de Direito Privado, do Tribunal de Justiça de São Paulo, as quais compete julgar recursos que tenham por matéria questões envolvendo locação, vinha entendendo que a responsabilização dos fiadores deveria perdurar até que ocorresse a efetiva desocupação do imóvel locado, não obstante o posicionamento adotado até então pelo Superior Tribunal de Justiça.
Foi o que decidiu, por exemplo, a 2ª Câmara do extinto 2° TACivSP, em 24.11.03, nos autos da apelação com revisão n.° 808.159-00/8 relatados pelo ilustre Desembargador Andreatta Rizzo em acórdão bem redigido, razão por que seus termos bem sintetizam per se a posição majoritária do Tribunal: "FIANÇA - RESPONSABILIDADE DO FIADOR - LOCAÇÃO - CONTRATO PRORROGADO - SUBSISTÊNCIA ATÉ A EFETIVA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL - RECONHECIMENTO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 39 DA LEI 8245/91. A prorrogação da locação sem a anuência dos fiadores não desonera a garantia. Permanecem eles obrigados pelos encargos do afiançado, mesmo após o vencimento do contrato escrito, mormente, quando há cláusula contratual expressa nesse sentido."
Porém, há algum tempo, o STJ, em relação a interpretação da referida Súmula 214, esclareceu que a prorrogação do ajuste não engendra a desoneração da garantia, permanecendo, os fiadores, obrigados até a entrega do imóvel ao locador, responsáveis, mesmo após o vencimento do contrato escrito, pelos encargos do afiançado, exceção feita à hipótese de aditamento acertado entre locador e locatário, estabelecendo nova pactuação, sem a anuência deles.
Com isto, não se quis dar interpretação extensiva à fiança, mas, sim, medir a exata responsabilidade dos fiadores, tal como subscreveu a garantia. “Se a fiança foi prestada não por tempo certo, mas até efetiva devolução do imóvel locado, a garantia persiste em caso de prorrogação da locação por tempo indeterminado, não se configurando novação capaz de exonerar o fiador". (AI 627.110-00/9 – 10ª Câmara, Rel. Juiz Soares Levada, j. 26.4.2000).
Argumenta-se que é curial o entendimento que a prorrogação legal do contrato de locação acarreta a prorrogação automática do contrato de fiança, que lhe é acessório, mormente tendo os fiadores assumido expressamente a responsabilidade pelas obrigações daí decorrentes, até a efetiva devolução do imóvel.
Realmente, de acordo com o artigo 56, parágrafo único, da Lei 8.245/91, o contrato, por prazo determinado, prorroga-se indeterminadamente quando, após o fim do prazo estipulado, o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador. Por isso, a cláusula que condiciona a prorrogação do contrato à prévia anuência por escrito do locador não socorre os fiadores, já que está em desconformidade com a lei e não pode se sobrepor a ela.
A responsabilidade dos fiadores permanece após o término do prazo estabelecido pelo contrato de locação, circunstância que dispensa qualquer aviso ou notificação prévia, porque há disposição legal: salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel. Porque há cláusula convencionando de forma expressa que a responsabilidades essas que perdurarão até a efetiva entrega das chaves do imóvel.
Desta maneira, atualmente o entendimento dos tribunais é que, quer pela lei, quer em razão do contrato, que, expressamente, consigna o prazo de validade da fiança até a entrega real e efetiva das chaves do imóvel locado, está obrigado, o fiador, á garantia dada, pois esta é a razão de ser da fiança, conforme artigo 1.481, do Código Civil; e se o fiador expressamente garante os pagamentos dos locativos até real e efetiva entrega das chaves, a eles está obrigado. A permanência do locatário no imóvel, após o término do prazo da avença locatícia, sem expressa anuência do fiador, não configura hipótese capaz de ensejar sua exoneração. Inteligência do art. 39, da Lei do Inquilinato, e art. 1.481, do Código Civil.
Confira-se, a propósito o magistério de ARNALDO MARMITT, verbis: "Frequentemente após o término do pacto locaticio a locação prossegue e os aluguéis são reajustados conforme os parâmetros da legislação especifica. Nessas hipóteses os fiadores que se vincularam até a entrega das chaves e solidariamente com os deveres assumidos pelo locatário, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, respondem tanto pelos locativos ajustados, como pelas correções que no curso da locação até a desocupação do imóvel foram autorizadas pela lei ou pelo contrato." (in Fiança Civil e Comercial, pág. 215, Aide Editora, 1ª ed.).
Fixada a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves, se o contrato assim especificar, cumpre tecer algumas considerações sobre a possibilidade do fiador se libertar do encargo prestado na hipótese em que o contrato tiver passado a viger por tempo indeterminado.
Para uma parte da doutrina ainda que o contrato de locação passe a viger por tempo indeterminado ao fiador seria impossível libertar-se do vínculo se, quando da assinatura do contrato, tivesse renunciado à faculdade de exoneração prevista no artigo 1.500 do Código Civil de 1916, inclusive por conta do disposto no artigo 39 da Lei n° 8.245/91, o qual determina que a fiança prestada na locação vigerá, salvo estipulação contratual em contrário, "até a entrega das chaves".
Assim, a renúncia antecipada à faculdade de exoneração somada a vigência da garantia até a devolução do imóvel impediriam a liberação do garante. Nesse sentido: "FIANÇA - EXONERAÇÃO (ARTIGO 1500 DO CÓDIGO CIVIL) - RENÚNCIA - VALIDADE – RECONHECIMENTO É hígida a cláusula em que fiador renuncia direito à exoneração da fiança, que tampouco resulta da inadimplência da afiançada ou do rompimento da relação trabalhista que ela mantinha com os fiadores. Com o advento do Código Civil de 2002, porém, tornou-se bizantina a questão. (Ap. c/ Rev. 687.676-00/9 - 4ª Câm. - Rel. Juiz CELSO PIMENTEL - J. 23.11.2004)".
Colhem-se os seguintes fundamentos do v. acórdão: "O preceito do artigo 1.500 do Código Civil de 1916 trata de tema de natureza privada, não pública. Quer dizer, constitui regra não cogente, cuja disponibilidade harmoniza-se com a renúncia à exoneração da fiança manifestada, no caso, pelos fiadores, em cláusula que nada tem de nula e que lhes veda a pretendida exoneração, bem repelida na r. sentença."
E seguem a mesma linha outros julgados emanados da mesma Corte: "E porque a obrigação eternizou-se, à falta de um termo fatal para o contrato é que os apelantes entendem ter inteira aplicação o art. 1500 do Código Civil, para verem-se desonerados da responsabilidade que assumiram. Acrescente-se a isto o fato de a situação financeira dos fiadores ter sofrido modificação, e para pior, além de não mais existir amizade entre eles, fiadores e afiançado, justamente pelo fato de anteriormente, o inquilino ter deixado de pagar locativos, obriga o os garantes a saldarem a dívida. A r. sentença guerreada desacolheu a pretensão dos apelantes, tendo em vista que, no contrato que firmaram, renunciaram expressamente a faculdade prevista no art. 1500 do Código substantivo. E bem andou o magistrado "a quo" julgando improcedente a ação. Realmente, pela cláusula 14ª do contrato, os autores deixaram consignado expressamente que "sua responsabilidade continuará até a entrega real das chaves à Locadora", além do que renunciavam "a qualquer eventual direito no sentido de restringir somente ao prazo ora ajustado, a garantia de sua fiança" (v. fI. 06). Assim contratando, outra coisa não fizeram os fiadores que renunciará aplicação do artigo 1500 do Código Civil. A questão é saber se aos apelantes era ou não lícito renunciarem. E forçoso é reconhecer ter sido lícita tal renúncia, pois essa norma, além de não proibir a renúncia ao poder que confere, dirige-se aos contratos de Direito Privado, como o é o próprio instituto da fiança. Lembre-se que somente não é lícito às partes contratantes disporem de maneira diversa se as normas ampararem interesses sociais, os chamados interesses de ordem pública. ‘O art. 1500 é norma de conduta dispositiva que deixa ao destinatário o direito de dispor de maneira diversa, até de renúncia às faculdades que confere. A todo o direito está ínsita a faculdade de disposição e, por conseguinte, se a isto não se opõe motivo de ordem pública, persiste o poder de}bafldono ou de abdicação do próprio direito (Ap. 170.268 - SP, declaração de voto eminente juiz Meilo Junqueira)" (Ap.186.498-7 – 5ª Câm. - rel. juiz ISIDORO CARMONA - j. 11.12.85).
Sendo lícito renunciarem á aplicação do art. 1.500 do antigo Código Civil, atual incompreensível que os próprios renunciantes venham a juízo, agora, pleitear a exoneração da fiança que livremente pactuaram, ao argumento de que a garantia subsistiu somente durante o prazo inicialmente estipulado no contrato. Também a jurisprudência desta Corte já assentou que "é perfeitamente legítima a cláusula contratual de renúncia ao direito de exoneração da fiança, posto que o preceito do art. 1500 do C.C. não tem caráter dispositivo de ordem pública" (RT 612/147).
Mas, os contratos assinados na vigência no novo Código Civil, ao invés da aplicação do art. 1500, passam a reger, sua situação, pelo disposto no art. 835, no seguinte teor: O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”
Para outra corrente, até mesmo em função do disposto no art. 835, do atual Código Civil, a faculdade de exoneração instituída em favor do fiador seria de ordem pública, e, portanto, cogente, o que impediria a sua renúncia antecipada que, se acaso ocorrente, seria leonina ou abusiva.
Nesse sentido: "FIANÇA - EXONERAÇÃO (ARTIGO 1500 DO CÓDIGO CIVIL) - LOCAÇÃO - RESPONSABILIDADE ATÉ ENTREGA DAS CHAVES - CONTRATO PRORROGADO - CLÁUSULA DE RENÚNCIA - IRRELEVÂNCIA – CABIMENTO - À vista dos pesados ônus que naturalmente sobrecarregam a fiadora solidária, pode ela, uma vez prorrogada a avença locatícia por prazo indeterminado, sempre que lhe convier, exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, neste conceito compreendida aquela prestada até a entrega das chaves, sendo-lhe inoperante, porque já e então insuportavelmente onerosa, a renúncia eventualmente manifestada em relação ao benefício de exoneração." "Resolveram os fiadores desligar-se da fiança prestada através de contatos amigáveis, inclusive com notificação extrajudicial. Contudo, a tentativa resultou frustada. Pretendem, com a presente ação a declaração judicial de sua exoneração, o que mostra-se possível na hipótese em que já vencido e indeterminado o contrato original. A jurisprudência de nossos Tribunais tem considerado abusiva cláusula de renúncia à exoneração prevista no art. 1.500 do Código Civil, desde que prorrogada a avença locatícia por prazo indeterminado. Não há ofensa ao art. 39 da Lei n° 8.245/91, uma vez que por direito próprio podem os fiadores pleitear a exoneração. Inviável interpretação no sentido de que ficariam eles atados à garantia prestada, posto que seria o mesmo que admitir ficar o garante ligado perpetuamente a obrigação à obrigação, sujeita no tempo, ao arbítrio de terceiro, o que afronta o art. 115 do Código Civil que veda cláusula potestativa."
Nesse sentir, percebe-se que longe de se encontrar pacificada tal questão, a mesma ainda é apta a gerar profunda divergência entre os operadores do direito, o que contribui para o clima de insegurança que baliza tão tormentoso tema.
Em que pese tal fato, não podemos perder de vista que, na prática, a quase totalidade dos contratos de locação contém cláusula expressa de renúncia à faculdade de exoneração do fiador, situação essa que não se mostra negociável: ou o fiador assina o contrato nesses termos ou o inquilino não toma posse do imóvel.
E, assim sendo, como cabe ao locador a escolha da modalidade de garantia contratual que melhor lhe aprouver, aliada à cultura disseminada de que a fiança seria a melhor delas, ou o candidato a locatário arruma alguém para afiançar-lhe o contrato ou não aluga o imóvel desejado. E, diante das dificuldades em se encontrar um garante disposto a enfrentar a gravidade das conseqüências que cercam a assunção do encargo, na absoluta maioria das vezes a escolha do fiador recai sobre um amigo próximo ou parente, por serem esses os únicos a demonstrarem (con)fiança na pessoa do afiançado ou, também, os únicos a se sentirem constrangidos diante do pedido que lhes é apresentado. Tal assertiva vem a ser confirmada pela análise dos julgados que abordaram a questão da exoneração do fiador, segundo os quais em nenhum deles os fiadores eram pessoas estranhas ao afiançado, mas, ao revés disso, eram pais, avós, tios ou amigos de longa data.
Para finalizar há que se ressaltar, que caso se admitisse a renúncia antecipada à faculdade de exoneração ao fiador, jamais seria possível libertar-se do encargo enquanto o imóvel objeto da locação não fosse devolvido ao locador. Neste caso, o vínculo se eternizaria porque, não havendo data assinalada para a devolução do imóvel, a permanência do ajuste fidejussório dependeria da manutenção da locação, que por sua vez estaria sob a influência exclusiva da vontade do locador ou do locatário que estipulariam se e quando a mesma haveria de cessar, a qual depende-ria de denúncia unilateral, também conhecida como denúncia vazia, por força do disposto no artigo 46, § 2°, da Lei do Inquilinato.
E essa era a controvérsia que grassava na doutrina e jurisprudência e que levou o STJ a editar Súmula 214, porque alguns julgados consideravam válida a renúncia a faculdade de exoneração, enquanto outros declaravam-na írrita.
De qualquer maneira, fixemos desde já a premissa que guiou o presente escrito: entendemos que a análise das controvérsias oriundas das questões envolvendo o contrato de fiança não pode ignorar aquilo que acontece na vida real, afim de serem evitadas situações por demais onerosas aos fiadores que, além de prestarem um favor de grande valia ao afiançado, acabam por comprometer integralmente o seu futuro, pois poderão arruinar todo o seu patrimônio numa operação jurídico-econômica que nenhuma valia ou proveito irá lhes trazer.
Com efeito, diz o artigo 819 do Código Civil de 2002: "A fiança dar-se-á por escrito e não admite interpretação extensiva." Já o artigo 39 da Lei 8.245/91 assim dispõe: "Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel"
Mas, de todo o exposto, pode-se concluir que cabe ao intérprete da lei escolher, dentre as interpretações possíveis, aquela que se revela a mais razoável no caso concreto, a qual deve sempre conduzir à idéia básica de utilidade e justiça, reflexos estas da solidariedade e justiça social proclamadas no artigo 3°, inciso I, da Constituição Federal.
E, no caso em análise, a visão principiológica do Direito permite a conclusão de que o princípio estatuído no artigo 819, do Código Civil, relativo à interpretação restritiva da manifestação de vontade do fiador, não poderia ter sido superada pela regra do artigo 39, da Lei do Inquilinato, relativo à extensão da responsabilidade do fiador.
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 629 e ss..).
Os princípios jurídicos constituem a base do ordenamento jurídico, a parte permanente e eterna do Direito e, também, o fator cambiante e mutável que determina a evolução jurídica; são as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica da Nação (PEREZ, Jesús González. El Principio General de La Buena Fé en el Derecho Administrativo. Madrid: Real Academia de Ciencias Morales y Politicas, 1983, p. 51/52). E, precisamente por constituírem a base mesma do Ordenamento, não é concebível uma norma legal que os contravenha (PEREZ, Jesús González, ob. cit., p. 52 ). Assim, ainda que lei posterior venha a dispor contra princípio exposto em lei anterior, e desde que esse princípio disser respeito à estrutura de uma determinada área da ciência jurídica, razão por que poderia ou não ter sido positivado, não se admite a derrogação, pois, como já o disse Gustav Radbruch, "há leis que não são Direito e de que há Direito acima das leis?" (In Leis, Justitia. v. 38. n. 93. São Paulo, 1976, p. 159)
Ora, e por ser o princípio da interpretação restritiva dos negócios jurídicos benéficos o fundamento basilar desta espécie contratual (art. 114, do Código Civil), e sendo a fiança uma modalidade de contrato benéfico, em cuja disciplina o legislador entendeu por bem reforçar o princípio da interpretação restritiva (art. 819 do Código Civil), a regra legal de extensão das garantias "até a entrega das chaves" na locação prevista no artigo 39 da Lei do Inquilinato deveria ceder espaço à proteção do fiador, cuja garantia deve se entender ter sido prestada até o vencimento do contrato, porque essa seria a conclusão mais razoável se o fiador pudesse prever, no momento da apresentação da garantia, quais as graves conseqüências que lhe advirão se após o vencimento do contrato o inquilino deixar de pagar os aluguéis e encargos.
Esse é um princípio fundamental dos contratos benéficos, universalmente aceito pela doutrina, de modo que em não tendo havido a sua derrogação expressa pela Lei do Inquilinato, há que ser interpretado de modo a harmonizá-lo com dispositivos que porventura se entremostrem colidentes. Outrossim, não poderia a Lei do Inquilinato ter alterado o fundamento em que se funda a tipicidade do contrato de fiança construída no Código Civil sem que a sua estrutura também tivesse sido alterada naquela lei.
Ao ter comentado o artigo 39 da Lei do Inquilinato, o insígne Francisco Carlos Rocha de Barros assim escreveu: "Por outro lado, não é dificil sustentar que este artigo de lei do inquilinato não revogou o art. 1.483 do Código Civil. Não houve declaração expressa nesse sentido e aqui não se cuidou de regular inteiramente o contrato de fiança (§ lº do art. 2° da LICC). Resta, apenas, alegar incompatibilidade, mas sem garantia de sucesso, pela maneira genérica e ligeira como a matéria é tratada neste artigo da lei do inquilinato. Para revogar preceito tradicional do Código Civil, que, aliás, reflete opinião universal da doutrina sobre interpretação dos contratos gratuitos, é de se ter como ineficaz a norma veiculada por este artigo, até porque existe norma geral de interpretação dos contratos, consignada no art. 1.090 do Código Civil [48], afirmando que os contratos benéficos interpretar-se-ão estritamente. Ainda que se admitisse a revogação do art. 1.483, não vemos como sustentar a revogação do art. 1.090." ( In Comentários à lei do Inquilinato. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 162)
Frise-se, nesse sentido, que o fundamento, a base indestrutível dos contratos gratuitos é a de que as manifestações de vontade deles oriundas deverão ser sempre interpretadas restritivamente, pois com isto o legislador buscou proteger a posição jurídica do sujeito que, ao ter manifestado uma liberalidade, visou beneficiar a outra parte sem nada receber em troca. Assim sendo, há que se ter em mente que todo o ato de disposição patrimonial há que ser interpretado de forma restritiva, afim de que sejam equilibradas as posições jurídicas das partes. E equilíbrio das posições jurídicas das partes haverá se os riscos dos negócios forem atribuídos aos contratantes de forma materialmente justa.
E assim o é porque entendemos que um princípio fundamental de uma determinada área do conhecimento jurídico não pode ser alterado por lei especial sem que a própria estrutura do instituto seja também alterada, sob pena de causar uma situação de anomalia, ainda que aparente, que mais do que proteger a pessoa do locador, acaba por gerar tremenda insegurança jurídica em face das profundas divergências que tem provocado na doutrina e jurisprudência.
Com efeito, o intérprete da lei não pode ignorar a realidade das coisas, como é a dinâmica da vida, pois a imensa maioria dos fiadores não possui a menor noção da dimensão que a sua vinculação nessa condição representa; a uma porque o objetivo principal é o de ajudar um amigo ou parente próximo; a duas porque sendo o contrato de locação vínculo obrigacional de execução continuada, normalmente o inadimplemento se dá após o vencimento do contrato e durante o período de prorrogação da locação por tempo indeterminado, o que acontece muitas vezes após vários anos, sem que o fiador venha a se recordar da fiança que prestara tempos antes. Esta é a realidade da vida que não pode ser ignorada pelo intérprete da lei.
Na verdade, a lei protege no caso concreto a parte débil da relação jurídica (fiador), que é o único que se obriga sem receber nada em troca. Daí ser plenamente justificável a proteção legal à dignidade econômica do garante, a qual representa uma das facetas da dignidade da pessoa humana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário